Frutos do ventre em vida e arte: Ligia Kamada reflete sobre ser mulher “sem útero” no disco Kamadas
- Patricia Ioco
- 11 de abr.
- 3 min de leitura
Álbum, íntimo e profundo, conta com a produção de Pipo Pegoraro, vencedordo Grammy Latino

Com um pé fincado na Serra da Mantiqueira e outro que perambula pelo mundo, a cantora, compositora e produtora musical Ligia Kamada se revela em Kamadas, trabalho autoral solo no qual visita sua ancestralidade e o existir como mulher no mundo. O álbum tem lançamento marcado para o dia 11 de abril, sexta-feira. Escolha onde escutar. "No meio da pandemia, tive um problema de saúde e precisei retirar o útero. Essa mudança, que não foi apenas física, me fez refletir sobre várias questões da minha vida e da estrutura, desde minha ascendência japonesa, andaluza miscigenada até os enfrentamentos que nós, mulheres, somos obrigadas a encarar todos os dias. É um disco sobre ser uma mulher racializada (amarela) nesse mundo, mas também sobre ser uma mulher ‘sem útero’ diante do peso que é colocado em cima desse órgão e de nossas decisões, como optar ou não por ser mãe. Que memórias o útero carrega de nossas ancestrais, mãe, avós, bisavós e das violências sofridas?", questiona Ligia. Esse desafio da artista permeia o conteúdo do trabalho de forma poética e ao mesmo tempo objetiva e clara, como quando ela diz sentir mas sem sofrer do corte/ olhar para a dor e até sorrir com a sorte, em Sacode, faixa que abre o disco e que também mostra como Ligia decidiu abrir o peito, aceitar e enfrentar suas questões. A canção conta com a participação do cantor e compositor brasileiro, Jhayam. O disco traz na produção a impressão digital de Pipo Pegoraro, vencedor do Grammy Latino em 2023 ("Em Nome da Estrela", Xênia França), com o uso de sintetizadores, silêncios necessários, arranjos colocados em seus lugares exatos e uma compreensão perfeita da proposta da artista que vem, além do talento do produtor, da relação de amizade antiga entre os dois. "Buscamos uma densidade quase 'uterina' na atmosfera desse trabalho diante do que motivou essas composições. Ligia chegou com uma pré-produção bastante avançada, com arranjos e guias, e juntos buscamos timbres, tons e andamentos. Conheço a Ligia há muito tempo, ela tem a roça e o mundo dentro dela, e como esse trabalho é quase um retiro interno dela, isso não poderia ficar de fora", explica Pipo.


De fato, musicalmente Kamadas traz um sobrevoo pela Serra da Mantiqueira (onde vive a artista), com as cordas do violão, ao mesmo tempo que te leva ao topo do Monte Fuji, com um taiko, o tambor japonês. Essa viagem de harmonias, ritmos e melodias imprime leveza e equilíbrio ao conteúdo reflexivo das letras. Também traz uma série de participações, inspirações e parcerias em suas dez canções, como da cantora Ceumar (poema em Shukufuku), Clara Baccarin (parceira de letra em Tudo - essa com texto inicial de Poroiwak - e Talvez em Março), poeta arrudA (parceiro em De Qual Substância e Amor é um Ato), Juliana Maria (parceira de letra em Peixe Acrobata), Larissa Oliveira (trompete em Talvez em Março) e Érica Navarro (violoncelo em Shukufuku). Outras participações trazem ainda mais intimidade ao trabalho. Ligia faz coro junto com seu pai, Tetsuo Kamada, e sua irmã, a artista Leticia Aya Kamada, em Tudo e Sacode, e conta com a participação de Victor Kinjo e Poroiwak, todos nipo brasileiros. "Pra mim era muito importante tê-los nesse trabalho, sentirmos juntos esse momento. Meu pai, Tetsuo Kamada, ou Tche, como era conhecido na época que tocava em conjunto, foi minha primeira inspiração e apoio na música”. Para quem conhece os trabalhos anteriores dessa paulistana que cresceu no interior, subiu ao palco pela primeira vez aos 14 anos no Teatro Municipal de Sorocaba, viveu sete anos perambulando pelos palcos europeus, cantou em francês minimalista sua experiência de convivência com senegaleses, formou duos e trios, Kamadas é a consagração e um início. Consolida Ligia Kamada como uma pessoa que tem consciência da sua arte e do papel do artista, esse de interpretar com sutileza e beleza as coisas da vida. Ao mesmo tempo, abre caminho para uma potência em si mesma que deliciosamente está compartilhada conosco. Serve tanto à arte, quanto a todos nós na compreensão de tantas Kamadas que nos formam.
Por Adriano Pereira. São Paulo, 2025.
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